segunda-feira, 22 de abril de 2013

Um Grito no Silêncio

No meio do silêncio, um grito Hoje, acordei disposto a me calar, a não falar com ninguém, a não soltar a voz em defesa de alguém ou em seu benefício. Quero silenciar. Ouvir o que o silêncio tem a me dizer. Quem sabe os passarinhos cantem para me ensinar que a música é amiga da vida e da arte. Ou talvez as violetas me manifestem o seu odor de viúvas negras querendo me iluminar com o seu odor de cemitérios ambulantes. Ou pode ser que os bombons de chocolate que tenho aqui em casa me digam que a realidade precisa de energia capaz de fortalecer os fracos e levantar os deprimidos. É possível ainda que o bife a rolé com batatas que hoje irei comer me ajude a entender que o silêncio é como os alimentos que gostam de ocupar os nossos espaços vazios na barriga para que não sintamos falta do nada que nos amedronta e das coisas ocas que nos afligem e fazem desesperar. Ou também pode acontecer que o próprio silêncio igualmente se cale a fim de que as pérolas azuis da nossa consciência nos falem dos compromissos diários que temos e das responsabilidades que não podem estar ausentes do nosso cotidiano. Ou será que a voz dos que se calam é mais forte que o barulho dos ventos, mais quente que o fogo do sol, mais brilhante que a luz da manhã, mais saudável que o suco de uva que ocupa as ausências do gelo da minha geladeira e perfuma a noite do frio e embeleza com vida as minhas interioridades ardentes que incendeiam como o fogão da cozinha ou as brasas calorosas do verão carioca. Hoje, quero sentir o silêncio, e tentar descobrir o que ele aqui e agora tem a me dizer. Irá ele ordenar as minhas idéias que se complicam e se confundem umas com as outras diante dos gritos das ruas e das fofocas dos vizinhos e dos trovões e tempestades que ocorrem nas adjacências dos supermercados aqui perto ? Pode ocorrer o fato do silêncio gritar dentro das nossas cabeças enlouquecidas pela irrealidade da imaginação ou da irracionalidade dos nossos pensamentos que ainda não surgiram. Dizem até que calar é mais barulhento que as palavras que saem da nossa boca. Porque nesse conflito interno e nessa bagunça de símbolos e imagens interiores que se chocam alguém quem sabe decide se manifestar e gritar bem alto que nossas ausências estão pedindo paz, a calma da alma e a tranqüilidade do espírito. Só sei que há muito tempo tenho escutado o grito do silêncio dentro de mim pedindo-me insistentemente uma chance para sobreviver ou uma oportunidade para expressar a sua voz delirante clamando por vez em nossas vidas de cada dia e de toda noite. Espero que alguém, não só eu, deixe o silêncio gritar, os vazios do ego se manifestarem e os nadas da existência fazerem o barulho necessário para que todos acordem de seus sonhos metafísicos e abram-se de vez ao discurso dos que se calam para que Deus fale e a vida grite os segredos da realidade e vocifere os mistérios do ser, do pensar e do agir. Sim, hoje quero escutar o silêncio. Pode ser que ele descubra algum problema que ainda não percebi, ou me revele que as avenidas da vida estão cheias e cansadas das cargas pesadas dos que não têm tempo para si mesmos, ou talvez mesmo não puderam se encontrar, ou se apagaram da existência através dos pesos da consciência e das contradições diárias que a realidade sempre nos apresenta. Talvez o silêncio me conte uma história de onde eu possa tirar uma lição de vida. Ou narre para mim a minha jornada pela Terra até agora e torne a partir de então a minha caminhada dentro da sociedade tão elegante como as passarelas da moda de Paris, de Roma ou de Berlim, ou tão elevada como as montanhas que cercam o Rio de Janeiro, ou tão excelente como as jóias das princesas de Lisboa, ou tão preciosa como as pérolas vermelhas e azuis dos colares e brincos da Rainha da Inglaterra. Pode ser. Mas ainda prefiro as minhas ausências do ser, os vazios aquecidos do meu pensamento sempre fértil, fecundo e profundo, ou os nadas nadantes da minha consciência ocupada pelos barulhos das idéias que se criam em mim misturadas com as imagens do meu eu inquieto, instável e inseguro. Só assim consigo escutar a voz do silêncio e seu grito de liberdade me pedindo uma chance de felicidade e uma oportunidade de saúde mental e bem-estar social, cultural e ambiental. Decidi. É deste modo mesmo que eu quero ficar. Contemplando as minhas carências afetivas e vislumbrando as minhas ausências ocupadas pelo barulho do nada e pelos gritos do vazio. Então silenciei. E logo ouvi um grito. Senti que era o grito de Deus. Deus tentava sobreviver. Aí sim acordei. Acordei escutando o divino em mim. E fiquei mais humano. E me achei mais bonito. E me tornei mais grande. E virei um gigante. Nesse silêncio gigante, me encontrei com Deus. E dormi. E descansei em paz.

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